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quinta-feira, 1 de abril de 2010

Tecendo a teia - Parte 3

foto de Marina Cavalcante

por Carlos Magalhães


O som do mar, o azul profundo do céu. Pancadas de chuva molhando os corpos que zanzeiam sem direção. Um mar de pessoas, infinitos caminhos e possibilidades. Essa é a Teia que vi acontecer entre os dias vinte e cinco de março e primeiro de Abril. Festa, festa e festa, seguida por debates políticos confusos e esvaziados.

Mas por que o esvaziamento dos espaços de debate politico? As pessoas se aproximam umas das outras para conversar, dar risada, dançar e beber. Mas a construção política se torna dura, difícil, não consigo entender as pautas que estão propondo, por que propõem essas coisas?

Acredito muito que tudo isso acontece por conta da estética do evento. Mas é necessário definir o que entendo por estética. O que seria essa estética?

A estrutura de palco, de luzes, de som, a ordem da programação, como falam os apresentadores, o espaço físico como é organizado, o que te entregam quando você chega, o tipo de hotel, o tipo de comida, a cidade em que está acontecendo o evento. Como a discussão política é colocada nessa programação. Quem define as pautas, quem definiu as pautas antes de elas serem pautas, como o espaço de debate é pensado, quais as condições físicas – climáticas, estruturais e de som – que as pessoas são colocadas. A soma de todos esses fatores, e mais alguns que agora não vou lembrar, desenham a estética do evento.

E na estética dessa Teia nacional de 2010 sinto um grande distanciamento entre os cidadãos e o estado. As pessoas estão realmente distantes, as tecnologias sociais desenvolvidas pelo governo não suportam a dinâmica e a vida de todos os pontos presentes. A tecnologia social praticamente inexiste. Mas mesmo assim as pessoas tem vontade de mudar, os cidadãos ainda acreditam.

Pois esse contexto da Teia permite que índios, brancos, pretos, orientais e tudo mais se juntem em rodas para conversar, possam viver por horas em um Brasil mais próximo do que poderia ser o Brasil. O preconceito perde lugar, a diferença entre as pessoas existe e é percebida por todos, mas não se desdobra em ódio e violência... Pelo contrário se transforma em risadas, músicas e alegria.

Esse país já havia sido vislumbrado pelo primeiro líder político eleito nas terras que hoje chamamos de Brasil. Seu nome era Jacronharo. Esse país era o sonho de Jacronharo.

Quando os portugueses chegaram no Brasil e começaram ocupar territórios, muitos índios estavam sendo capturados para serem escravos e trabalharem no extrativismo de nossas terras pela mão de ferro lusitana. Então a nação Tupi se reúne para discutir o que estava acontecendo e buscar uma solução para o problema.

Em paralelo a isso, Jacronharo vivia em paz na terra de seus ancestrais, plantando o milho e a mandioca. Jacronharo não queria a guerra, queria apenas colher seu alimento e continuar a viver o ciclo da vida que seu povo havia se acostumado.

Por esse mesmo motivo a nação Tupi elege Jacronharo como líder para enfrentar os portugueses. Pois somente uma pessoa que não queria a guerra poderia resolver aquele problema.

E Jacronharo então monta um exército e parte para o combate contra os portugueses. Os invasores, que viviam em um número reduzido, foram derrotados pela nação Tupi, mas ao invés de serem exterminados, terem suas mulheres estupradas, os homens mortos e os velhos humilhados. Tiveram suas vidas preservadas e Jacronharo definiu que eles poderiam habitar um bom pedaço daquela terra e viver ali em paz. Ele até distribui sementes de milho e mandioca para que os portugueses pudessem plantar e criar suas famílias naquele lugar.

Jacronharo acreditava que a Pindorama era muito grande e bondosa, que todos poderiam viver naquelas terras, que todos teriam seus espaços e que o alimento seria farto e suficiente para as pessoas. O sonho de Jacronharo é esse, um Brasil onde as pessoas podem conviver onde as coisas são possíveis.

No entanto passaram os anos e os portugueses não entenderam o sonho de Jacronharo e começaram o projeto de extermínio das vidas e das culturas que habitavam nosso país.

Por que os portugueses erraram? O que eles queriam?

Uma gigante nuvem de trevas e escuridão cobriu o planeta e até hoje vivemos sobre essas trevas.

Mas as coisas estão se transformando. Uma parte dos pontos de cultura querem viver o sonho de Jacronharo. De certa maneira o Fora do Eixo vive o sonho de Jacronharo também.

E por essa afinidade de querer mudar, não aceitar o estado e a estética que ele coloca na Teia que um grupo de pontos de cultura do estado de São Paulo, convoca o Fora do Eixo para conversar e entender como funciona a tecnologia social desenvolvida pelo Circuito Fora do Eixo. Pois essa ferramenta pode ser a ferramenta possível para aproximar as pessoas do sonho de Jacronharo.

Então em duas reuniões, um grupo de aproximadamente quinze pontos de cultura, conduzidos pela sabedoria e pela força de vontade de todos criam a Rede Jacronharo. Uma rede com ações no mundo virtual e real baseada na estrutura organizacional que o Fora do Eixo trabalha, na tentativa de aproximar os pontos e transformar essa proximidade em um movimento social. Permitindo que brancos, pretos e índios – que ainda não estão presentes – possam viver trocar cultura e conhecimento, buscando a transformação individual e coletiva de todos. Tentando entender o maior gargalo dos pontos de cultura – a articulação em rede – e olhar uma experiência que funciona para dar um novo passo para o programa Cultura Viva.

As ações ainda serão modestas para o ano de 2010. Vamos começar agora a ocupar os espaços virtuais, planejar ações em conjunto, circular pelos pontos, propor a formação desses pontos, nivelar o debate e o ritmo de trabalho, até o momento em que poderemos começar a conversar sobre o sonho de Jacronharo e coloca-lo em prática.

Com isso a Teia se encerra, não acompanhei os debates políticos daquela programação proposta, tentei mas não consegui, não quis. Agora todos meus sentidos estão diferentes, os olhos dos ancestrais que viveram nessa terra se tornaram meus olhos e me conduzem a um novo mundo que nunca vivi. E vocês que leram essas palavras estão também sentido a força desses olhos. Estamos juntos agora.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Independência ou Marte#137 - Especial TEIA 2010 - Tambores Digitais, Novidades Quentinhas e Festival GAIA

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Salve rapaziada. O programa#137 foi realizado Ao Vivo na Rádio UFSCar com Yasmin e Jovem, que havia acabado de chegar de Fortaleza (CE), da TEIA - Tambores Digitais, o encontro dos pontos de cultura. Depois de contextua
lizar tudo isso, o braço radiofônico do projeto iniciou suas conexões, com registros de vivências, samplers, ligações telefônicas e pesquisas na cultura musical independente brasileira.
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sábado, 27 de março de 2010

Tecendo a TEIA - Parte 2

Grupo de Congada Moçambique Estrela Guia - Uberlândia/MG
foto de Marina Cavalcante


por Carlos Magalhães


Dança, dança, dança, dança circular. Girando e girando, aproximadamente quarenta pessoas de mãos dadas. Ao meu lado uma nipo-germânica, na roda central, um preto forte de Rastafari, uma francesa, um descendente indígena, um branco brasileiro de nome europeu no palco junto do pernambucano mestre Zé Duda. A transformação, um país em transformação.

E o burro não sabe lê. Foi isso que ele aprendeu na escola, que o burro não sabe lê. Põe o burro advogado e ele não sabe lê, põe o burro presidente e ele não sabe lê. Tortura por anos o burro e ele não sabe lê.

Gira, gira e gira. Gira mundo gira vida.

Um mega anfiteatro, cadeiras posicionadas como um tobogã de estádio de futebol. Todos sentados no silêncio, assistindo à mais de vinte pessoas batendo em tambores, de couro e de aço. Orquestra Tambores de Aço! Mesmo assim, tava todo mundo parado. A luz colorida era a única coisa que dançava.

De mãos dadas, balançando pra frente e pra traz, em um ritual de purificação, eu - um português italiano índio - Mariko - a sino-germânica – e o preto Rei dos Rastafari. Pra frente e pra traz, purificando o centro da roda. E quem me surge do nada no centro da roda???

Levaram o burro para escola e o que ele aprendeu? Que o burro não sabe lê. Põe o burro trabalhando, colhendo, plantando e ele não sabe ler.

Ela novamente, Mariko. Dançando com graça e alegria, sorrindo como se aquele momento fosse algo sublime. E tudo se torna colorido, as crianças atentas tocando os tambores, os mais velhos coordenando a orquestra, o público cantando e Mariko, Mariko, tornando aquilo divino.

Surge uma câmera no meio da roda. Com seu cinegrafista duro, procurando a melhor imagem, o enquadramento perfeito. Filmando os pés da roda, os corpos da roda. A dança circular. Gira, gira e gira. Quem era purificado ali era a imagem filmada. Logo aqueles que assistirem essa imagens estarão recebendo aquela bença, aquela purificação de todas as pessoas da roda. Os tambores tocando e as pessoas girando. Mariko sorrindo, Jorge Mautner cantando, o som, Tudo aquilo transformado em pixels, criando uma imagem digital.

Comecei a entender o porquê dos tambores digitais.

¨Mãe eu não sou como você, eu quero conhecer novas pessoas, descobrir novas identidades, quero viver a diversidade desse mundo¨.

Gira, gira, gira, Mariko sorrindo, a lua brilhando, o calor de fortaleza. Gira, gira e gira. Jorge Mautner sério, a roda para de girar. Cortaram o som, ¨cortaram pois tinham de cortar¨.

TEIA 2010 - O Brasil reunido no centro de Fortaleza

por Jovem Palerosi

Agora sim pode-se dizer que o evento começou de verdade, na intensidade que a cultura brasileira possui, em sua diversidade de manifestações, fusões, criações. No segundo dia de atividades do maior encontro dos Pontos de Cultura da história do país, chegaram todos os convidados que faltaram e as atividades começaram bem mais cedo.
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Iniciando as Conexões na TEIA 2010 em Fortaleza


por Jovem Palerosi

Apesar a abertura oficial do eventer ser nesta 6a feira, dia 26/03, já começou a TEIA 2010 – Tambores Digitais, o encontro nacional dos Pontos de Cultura que este ano está sendo realizado em Fortaleza (CE). Desde o final de quarta-feira, pessoas de todo o país se juntam na região central da cidade para em apresentações artísticas, exposições, debates políticos e grupos de trabalho em áreas como cultura popular, Economia Solidária, cultura digital, arte/educação, entre outros.
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sexta-feira, 26 de março de 2010

Tecendo a teia - Parte 1

por Carlos Magalhães


Sejam todos bem vindos à Teia Brasil 2010 – Tambores digitais! Por favor, tenham calma ao entrar, são muitas pessoas vindo de muitos lugares diferentes.

Quem recebe as informações e transmite em palavras para vocês, é apenas um realizador de filmes, que tem como conhecimento a linguagem cinematográfica. Apenas isso.

Observando o mundo pelas ações das pessoas, os símbolos e os sons que são emitidos, iremos nos aventurar em um universo cultural mais antigo e complexo que o cinema. Portanto, quaisquer gafe ou ignorância que eu possa escrever sobre outras expressões culturais fazem parte da formação que estamos vivendo aqui, tentando cada vez mais compreender o que são as culturas do Brasil.

Ao lado de Jovem Palerosi Independência ou Marte – e Gabi Espaço 7 – nos aproximamos do palco principal do evento. Onde um grande número de pessoas, metade sentadas metade de pé, assistiam à apresentação da Orquestra de Câmara Eleazar de Carvalho e Irmãos Aniceto, Uma multidão de vidas, trajetórias e emoções reunidas em um mesmo espaço o Dragão do mar aqui em Fortaleza/CE. Mas o que é esse evento? Quem são essas pessoas? Alguns se conhecem, outros andam sozinhos sem direção...

E quando acabou a orquestra e os irmãos Aniceto começaram a tocar sozinhos que a festa começou a ficar boa. Aquela multidão começava a parecer um corpo só, que organicamente se movia, aproximando-se do palco, reverenciado os irmãos Aniceto, que tocavam e dançavam para todos.

Era uma dança diferente, bem simples mesmo. Mas ver pessoas mais velhas, tocando músicas que você nunca imaginou escutar e dançando ao seu modo, é uma experiência poderosa o suficiente para começar a sentir a força da Teia, a força daquele ritual.

Após essa apresentação, um grupo de reis e rainhas aguardavam fora do palco o início de seu espetáculo. E esse Ato de Coroação das Rainhas do Maracatu, foi algo novo para minhas retinas. Homens vestidos de mulheres, com os famosos painted faces, remetendo à pele preta, vestindo roupas brilhantes, coloridas, com penas, símbolos e outras coisas mais.

Era como se os colonizados estivessem assistindo à um ritual europeu que com o passar dos anos se transformou em colonizados sendo reis, interpretando a coroação. Mas quem são aqueles reis e rainhas? Que mundo é aquele na verdade? Bandeiras eram carregadas cheias de simbolos e palavras escritas... Lembro de uma bandeira com um jangadeiro observando um deus mexer na água do mar... Paisagens oníricas em todos os lugares, estou vivendo em um sonho?

Então os reis europeus começaram a ceder espaço para um rei e uma rainha africanos, seguidos de reis indígenas. Todos em um palco de brilho, suor e fantasia. Ao som frenético que repetia uma mensagem, mas que agora não consigo mais lembrar. Não consigo lembrar de mais nada. Aquilo tudo pareceu um sonho, daquele tipo de sonho que choca na hora que você acorda, mas após algumas horas começa a sumir na memória. Se tornando quase que parte do nosso instinto.

Quantos mistérios existem no mundo? Quais são nossas origens culturais? Quem são os dois ao meu lado?

Depois teve início o show do Fagner, o cara é rei aqui em Fortaleza, todo mundo canta junto. Mas eu estava tranquilo. Não fazia questão de participar desse show e sai para comer um pastel no bar do reggae que existe aqui perto. Um baita dum pastel gigante! Sentei na bancada e comecei a participar da conversa com o italiano e o cearense que estavam lá. O italiano com suas roupas prateadas, seu cabelo preso por rabo de cavalo, com sotaque cômico e o cearense vestindo a camisa do Flamengo, trabalhando freneticamente e mesmo assim hablando con nosotros!

O papo era futebol! Campeonato italiano! Os caras sabiam de tudo. Engoli o pastel e voltei pro Dragão do mar. Uma forte chuva chegou deixando todo mundo encharcado.

E com a alma lavada eu voltei ao palco principal do evento – onde aconteceram todas as apresentações que comentei no texto – e uma multidão molhada cantava junto, dançava sensualmente e sorria. Como sorria! Senti a força de uma juventude naquela hora. Não juventude de idade, mas de estado de espírito de vontade de se expressar, desapegada dos valores morais que são sustentados pelos meios de comunicação de massa em nosso país.

E nessa alegria toda a música é a ferramenta capaz de criar esse estado de espírito e multiplica-lo. É incrível, em questão de minutos eu que me sentia sozinho naquele local, comecei a encontrar rostos conhecidos, receber carinho de pessoas estranhas, conversar dar risada, projetar o futuro, dançar, ao som do Carimbó Os Quentes da Madrugada.

E tudo que era dúvida sumiu da minha cabeça e a resposta não era racional, só podia ser sentida, vivida. Todos se tornam um por alguns minutos, e essa sensação é gigante, tem o tamanho do céu e nesse céu que vamos voar durante os dias que fecham o mês de março.

Amanhã tem mais, o ritual continua.