por Carlos Magalhães
O som do mar, o azul profundo do céu. Pancadas de chuva molhando os corpos que zanzeiam sem direção. Um mar de pessoas, infinitos caminhos e possibilidades. Essa é a Teia que vi acontecer entre os dias vinte e cinco de março e primeiro de Abril. Festa, festa e festa, seguida por debates políticos confusos e esvaziados.
Mas por que o esvaziamento dos espaços de debate politico? As pessoas se aproximam umas das outras para conversar, dar risada, dançar e beber. Mas a construção política se torna dura, difícil, não consigo entender as pautas que estão propondo, por que propõem essas coisas?
Acredito muito que tudo isso acontece por conta da estética do evento. Mas é necessário definir o que entendo por estética. O que seria essa estética?
A estrutura de palco, de luzes, de som, a ordem da programação, como falam os apresentadores, o espaço físico como é organizado, o que te entregam quando você chega, o tipo de hotel, o tipo de comida, a cidade em que está acontecendo o evento. Como a discussão política é colocada nessa programação. Quem define as pautas, quem definiu as pautas antes de elas serem pautas, como o espaço de debate é pensado, quais as condições físicas – climáticas, estruturais e de som – que as pessoas são colocadas. A soma de todos esses fatores, e mais alguns que agora não vou lembrar, desenham a estética do evento.
E na estética dessa Teia nacional de 2010 sinto um grande distanciamento entre os cidadãos e o estado. As pessoas estão realmente distantes, as tecnologias sociais desenvolvidas pelo governo não suportam a dinâmica e a vida de todos os pontos presentes. A tecnologia social praticamente inexiste. Mas mesmo assim as pessoas tem vontade de mudar, os cidadãos ainda acreditam.
Pois esse contexto da Teia permite que índios, brancos, pretos, orientais e tudo mais se juntem em rodas para conversar, possam viver por horas em um Brasil mais próximo do que poderia ser o Brasil. O preconceito perde lugar, a diferença entre as pessoas existe e é percebida por todos, mas não se desdobra em ódio e violência... Pelo contrário se transforma em risadas, músicas e alegria.
Esse país já havia sido vislumbrado pelo primeiro líder político eleito nas terras que hoje chamamos de Brasil. Seu nome era Jacronharo. Esse país era o sonho de Jacronharo.
Quando os portugueses chegaram no Brasil e começaram ocupar territórios, muitos índios estavam sendo capturados para serem escravos e trabalharem no extrativismo de nossas terras pela mão de ferro lusitana. Então a nação Tupi se reúne para discutir o que estava acontecendo e buscar uma solução para o problema.
Em paralelo a isso, Jacronharo vivia em paz na terra de seus ancestrais, plantando o milho e a mandioca. Jacronharo não queria a guerra, queria apenas colher seu alimento e continuar a viver o ciclo da vida que seu povo havia se acostumado.
Por esse mesmo motivo a nação Tupi elege Jacronharo como líder para enfrentar os portugueses. Pois somente uma pessoa que não queria a guerra poderia resolver aquele problema.
E Jacronharo então monta um exército e parte para o combate contra os portugueses. Os invasores, que viviam em um número reduzido, foram derrotados pela nação Tupi, mas ao invés de serem exterminados, terem suas mulheres estupradas, os homens mortos e os velhos humilhados. Tiveram suas vidas preservadas e Jacronharo definiu que eles poderiam habitar um bom pedaço daquela terra e viver ali em paz. Ele até distribui sementes de milho e mandioca para que os portugueses pudessem plantar e criar suas famílias naquele lugar.
Jacronharo acreditava que a Pindorama era muito grande e bondosa, que todos poderiam viver naquelas terras, que todos teriam seus espaços e que o alimento seria farto e suficiente para as pessoas. O sonho de Jacronharo é esse, um Brasil onde as pessoas podem conviver onde as coisas são possíveis.
No entanto passaram os anos e os portugueses não entenderam o sonho de Jacronharo e começaram o projeto de extermínio das vidas e das culturas que habitavam nosso país.
Por que os portugueses erraram? O que eles queriam?
Uma gigante nuvem de trevas e escuridão cobriu o planeta e até hoje vivemos sobre essas trevas.
Mas as coisas estão se transformando. Uma parte dos pontos de cultura querem viver o sonho de Jacronharo. De certa maneira o Fora do Eixo vive o sonho de Jacronharo também.
E por essa afinidade de querer mudar, não aceitar o estado e a estética que ele coloca na Teia que um grupo de pontos de cultura do estado de São Paulo, convoca o Fora do Eixo para conversar e entender como funciona a tecnologia social desenvolvida pelo Circuito Fora do Eixo. Pois essa ferramenta pode ser a ferramenta possível para aproximar as pessoas do sonho de Jacronharo.
Então em duas reuniões, um grupo de aproximadamente quinze pontos de cultura, conduzidos pela sabedoria e pela força de vontade de todos criam a Rede Jacronharo. Uma rede com ações no mundo virtual e real baseada na estrutura organizacional que o Fora do Eixo trabalha, na tentativa de aproximar os pontos e transformar essa proximidade em um movimento social. Permitindo que brancos, pretos e índios – que ainda não estão presentes – possam viver trocar cultura e conhecimento, buscando a transformação individual e coletiva de todos. Tentando entender o maior gargalo dos pontos de cultura – a articulação em rede – e olhar uma experiência que funciona para dar um novo passo para o programa Cultura Viva.
As ações ainda serão modestas para o ano de 2010. Vamos começar agora a ocupar os espaços virtuais, planejar ações em conjunto, circular pelos pontos, propor a formação desses pontos, nivelar o debate e o ritmo de trabalho, até o momento em que poderemos começar a conversar sobre o sonho de Jacronharo e coloca-lo em prática.
Com isso a Teia se encerra, não acompanhei os debates políticos daquela programação proposta, tentei mas não consegui, não quis. Agora todos meus sentidos estão diferentes, os olhos dos ancestrais que viveram nessa terra se tornaram meus olhos e me conduzem a um novo mundo que nunca vivi. E vocês que leram essas palavras estão também sentido a força desses olhos. Estamos juntos agora.
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