domingo, 28 de fevereiro de 2010

DIAS EM TRÂNSITO PARTE 3

Por Carlos Magalhães

Após o rápido encontro com o camarada Felipe Silva na Teia Paulista de Pontos de Cultura, começa a cerimônia do prêmio Asas do programa Cultura Viva. Diversas estatuetas arrumadas na mesa, para premiar diversos Pontos de Cultura, da primeira geração de pontos divididos em todas regiões do Brasil. Eu sentei ao lado de Lumumba na primeira fileira, bem próximo ao palco onde a cerimônia estava acontecendo. Sentamos eu, Lumumba e uma criançada que havia se apresentado durante a tarde.

De tão perto que estava, pude escutar as pessoas homenageadas e os cerimonialistas conversando. Estavam todos tão alegres, sorriam, traziam a esperança em suas palavras. Quando o secretário de cultura da Guarulhos e Célio Turino falaram para introduzir que prêmio era aquele - dar asas àqueles que sonham em voar e ver lá de cima, como um passarinho como somos pequenos, como a natureza é imensa, como os rios correm e o ciclo da vida continua em sua eterna transformação - a plateia lotada prestava muita atenção, eram seus líderes que estavam ali na frente, com um discurso declaradamente de esquerda, lutando para construir um novo comunismo, o comunismo do bem comum, da partilha, desconectado das práticas ditatoriais que caracterizaram o século 20. Uma revolução, como outras que marcaram a história da humanidade, está acontecendo no Brasil. Como disse o próprio Che Guevara ¨quando o extraordinário se torna comum é que a revolução já está em curso¨ e era esse momento que meus olhos observavam. Uma diversidade étnica reunida em um grande teatro, para premiar o trabalho desenvolvido em terreiros - que já foram proibidos no Brasil – projetos de educação alternativa, projetos com comunidades indígenas, rituais ancestrais e uma série de outros ações sendo valorizados pelo estado e pelo povo. As pessoas que estavam ali são revolucionárias, assim como nós do Massa Coletiva – e do Circuito Fora do Eixo – entendemos que somos revolucionários.

E essa revolução está de fato em curso no Brasil e nossa revolução acontecerá pela cultura! Pela vontade e alegria das pessoas que querem valorizar o próprio ser humano e colocá-lo à frente do dinheiro, do material, dos interesses individualistas.

E a cerimônia seguia acontecendo, com prêmios e mais prêmios sendo distribuídos, até o momento em que foram esquecidos alguns pontos de cultura que deveriam ser premiados e todo aquele evento bonitinho e organizado deu lugar a uma coisa mais real e verdadeira. As pessoas se levantavam e reinvidicavam o seu direito a receber Asas e de maneira mais orgânica e alegre essas Asas foram distribuídas até que todos se sentissem contemplados e fossem ovacionados pelas pessoas presentes.

Em seguida a última apresentação da noite teve início. O Grupo Musical Misturança subiu ao palco para apresentar um pouco da cultura de Santa Fé do Sul/SP, um grupo de adultos que conduziam crianças num espetáculo de sapateado, viola caipira e coral. As crianças estavam ansiosas, uma pequena menininha não conseguia se concentrar, com os olhos cheios de lágrimas parecia perdida e ficava encarando a regente do coral de maneira misteriosa – talvez mística – anunciando que muita emoção ainda estava por vir.

Começa a apresentação e o equipamento de som não funciona, as crianças vão ficando ansiosas assim como os adultos, o público se preocupa, todos começam a se olhar para tentar entender o que estava acontecendo. ¨Tudo funcionou tão bem até agora? O que houve?¨ Mais crianças ficam nervosas e seus olhos se enchem de lágrimas. As pessoas começam a gritar da platéia ¨Vai sem som! Continua, continua!¨ E o grupo tenta, canta com vontade. Os jovens vaqueiros com seus sapatos mágicos batem os pés contra o chão com força. Mas mesmo assim faltava algo, alguma coisa a mais precisava acontecer para dar mais energia àquela mulecada.

Ai é o momento em que a arte atinge a vida de maneira profunda. Eu que havia aleatoriamente sentado na primeira fileira levanto e começo a gritar para que todos se levantem, batam palmas junto com o grupo e irradiem alegria para manter viva a esperança daquelas crianças de que esse dia era importante para a vida de todos. E aos poucos uma outra pessoa também se levanta e outra e outra e outra e outra... Até que toda platéia se levantou e cantou junto. ¨O marinheiro marinheiro, marinheiro só! Quem te ensinou a nadar? Marinheiro só!¨.

Naquele momento pude perceber que não importava a qualidade estética, nem a tecnologia ou qualquer outro artifício criado pelos seres humanos. O que importava ali era a vida e seu curso. Após uma fala sobre revolução transformação social, econômica e cultural, se aquelas crianças não saíssem de lá marcadas positivamente todo o trabalho desenvolvido estarei em risco.

E foi isso que fez com que eu levantasse e todos ao meu redor também, foi a própria revolução que nos mobilizava. Foi a vida e a esperança que estavam ali novamente mostrando que as coisas não se dão por encerradas, que não estamos derrotados.

E essa comoção contagiou a todos que daquele momento em diante não pararam de cantar e dançar. A festa continuou no coquetel de encerramento, no ônibus que conduziu o povo ao hotel, no hall do hotel onde os pandeiros e tambores não paravam de tocar, na Toca do Espeto - bar que reuniu as pessoas madrugada adentro e continua em mim até agora nessas últimas palavras desse registro emocionado.

Um beijo Brasil! Um beijo a todos aqueles que acreditam em você, é para essas pessoas que dedico essas palavras.

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