sexta-feira, 26 de março de 2010

Tecendo a teia - Parte 1

por Carlos Magalhães


Sejam todos bem vindos à Teia Brasil 2010 – Tambores digitais! Por favor, tenham calma ao entrar, são muitas pessoas vindo de muitos lugares diferentes.

Quem recebe as informações e transmite em palavras para vocês, é apenas um realizador de filmes, que tem como conhecimento a linguagem cinematográfica. Apenas isso.

Observando o mundo pelas ações das pessoas, os símbolos e os sons que são emitidos, iremos nos aventurar em um universo cultural mais antigo e complexo que o cinema. Portanto, quaisquer gafe ou ignorância que eu possa escrever sobre outras expressões culturais fazem parte da formação que estamos vivendo aqui, tentando cada vez mais compreender o que são as culturas do Brasil.

Ao lado de Jovem Palerosi Independência ou Marte – e Gabi Espaço 7 – nos aproximamos do palco principal do evento. Onde um grande número de pessoas, metade sentadas metade de pé, assistiam à apresentação da Orquestra de Câmara Eleazar de Carvalho e Irmãos Aniceto, Uma multidão de vidas, trajetórias e emoções reunidas em um mesmo espaço o Dragão do mar aqui em Fortaleza/CE. Mas o que é esse evento? Quem são essas pessoas? Alguns se conhecem, outros andam sozinhos sem direção...

E quando acabou a orquestra e os irmãos Aniceto começaram a tocar sozinhos que a festa começou a ficar boa. Aquela multidão começava a parecer um corpo só, que organicamente se movia, aproximando-se do palco, reverenciado os irmãos Aniceto, que tocavam e dançavam para todos.

Era uma dança diferente, bem simples mesmo. Mas ver pessoas mais velhas, tocando músicas que você nunca imaginou escutar e dançando ao seu modo, é uma experiência poderosa o suficiente para começar a sentir a força da Teia, a força daquele ritual.

Após essa apresentação, um grupo de reis e rainhas aguardavam fora do palco o início de seu espetáculo. E esse Ato de Coroação das Rainhas do Maracatu, foi algo novo para minhas retinas. Homens vestidos de mulheres, com os famosos painted faces, remetendo à pele preta, vestindo roupas brilhantes, coloridas, com penas, símbolos e outras coisas mais.

Era como se os colonizados estivessem assistindo à um ritual europeu que com o passar dos anos se transformou em colonizados sendo reis, interpretando a coroação. Mas quem são aqueles reis e rainhas? Que mundo é aquele na verdade? Bandeiras eram carregadas cheias de simbolos e palavras escritas... Lembro de uma bandeira com um jangadeiro observando um deus mexer na água do mar... Paisagens oníricas em todos os lugares, estou vivendo em um sonho?

Então os reis europeus começaram a ceder espaço para um rei e uma rainha africanos, seguidos de reis indígenas. Todos em um palco de brilho, suor e fantasia. Ao som frenético que repetia uma mensagem, mas que agora não consigo mais lembrar. Não consigo lembrar de mais nada. Aquilo tudo pareceu um sonho, daquele tipo de sonho que choca na hora que você acorda, mas após algumas horas começa a sumir na memória. Se tornando quase que parte do nosso instinto.

Quantos mistérios existem no mundo? Quais são nossas origens culturais? Quem são os dois ao meu lado?

Depois teve início o show do Fagner, o cara é rei aqui em Fortaleza, todo mundo canta junto. Mas eu estava tranquilo. Não fazia questão de participar desse show e sai para comer um pastel no bar do reggae que existe aqui perto. Um baita dum pastel gigante! Sentei na bancada e comecei a participar da conversa com o italiano e o cearense que estavam lá. O italiano com suas roupas prateadas, seu cabelo preso por rabo de cavalo, com sotaque cômico e o cearense vestindo a camisa do Flamengo, trabalhando freneticamente e mesmo assim hablando con nosotros!

O papo era futebol! Campeonato italiano! Os caras sabiam de tudo. Engoli o pastel e voltei pro Dragão do mar. Uma forte chuva chegou deixando todo mundo encharcado.

E com a alma lavada eu voltei ao palco principal do evento – onde aconteceram todas as apresentações que comentei no texto – e uma multidão molhada cantava junto, dançava sensualmente e sorria. Como sorria! Senti a força de uma juventude naquela hora. Não juventude de idade, mas de estado de espírito de vontade de se expressar, desapegada dos valores morais que são sustentados pelos meios de comunicação de massa em nosso país.

E nessa alegria toda a música é a ferramenta capaz de criar esse estado de espírito e multiplica-lo. É incrível, em questão de minutos eu que me sentia sozinho naquele local, comecei a encontrar rostos conhecidos, receber carinho de pessoas estranhas, conversar dar risada, projetar o futuro, dançar, ao som do Carimbó Os Quentes da Madrugada.

E tudo que era dúvida sumiu da minha cabeça e a resposta não era racional, só podia ser sentida, vivida. Todos se tornam um por alguns minutos, e essa sensação é gigante, tem o tamanho do céu e nesse céu que vamos voar durante os dias que fecham o mês de março.

Amanhã tem mais, o ritual continua.

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